Índice
1. Elementos característicos dos sistemas filosófico-religiosos
2. Interioridade e fecundidade espiritual
3. A relação do cristianismo com platonismo e aristotelismo

Introdução
A filosofia, tal como a religião, como um sistema, começou como uma defesa das crenças religiosas, através do raciocínio filosófico. Assim, temos as provas racionais da existência da alma e de Deus, como exemplos desse tipo de atividade. Porém, uma verdadeira filosofia da religião não é especialmente defensiva, e nem especificamente negativa. Antes, é a consideração de assuntos religiosos mediante a crítica analítica e avaliação feitas pela filosofia. O propósito disso não é, em primeiro lugar, aceitar ou rejeitar as crenças religiosas e, sim, compreender e descrever as mesmas de formas mais exatas e abrangente.
“A filosofia da religião é o estudo lógico dos conceitos religiosos e dos conceitos, argumentos e expressões teológicos: o escrutínio de várias interpretações da experiência e das atividades religiosas. O filósofo que pratica a mesma não precisa dedicar-se a religião que estiver estudando… A filosofia da religião deve ser destinguida da apologética. Novamente, não é idêntica à teologia natural, visto que o filósofo da religião também pode ocupar-se na avaliação de alegadas revelações”.
Para compreender-mos melhor podemos citar 7 períodos da história da filosofia que influencio no modo da sociedade viver, inclusive os cristãos. A filosofia antiga marca a primeira forma de pensamento filosófico existente. Seu início ocorreu na Grécia, cerca de 600 anos antes de Cristo como forma de questionamento aos dogmas da igreja, mitos e superstições.
Períodos da filosofia antiga
- Período Pré-socrático (do século VII ao século V antes de Cristo)
- Período Socrático (do século V ao século IV antes de Cristo)
- Período Helenístico (do século IV antes de Cristo ao século VI depois de Cristo)
- Platonismo
- Aristotelismo
- Estoicismo
- Epicurismo
- Ceticismo
1. Elementos característicos dos sistemas filosófico-religiosos
Os princípios elementares comuns à maioria das religiões conhecidas na história podem agrupar-se em crenças, ritos, normas de conduta e instituições.
Toda religião pressupõe algumas crenças básicas, como a sobrevivência depois da morte, mundo sobrenatural etc., ao menos como fundamento dos ritos que pratica. Essas crenças podem ser de tipo mitológico — relatos simbólicos sobre a origem dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmático — conceitos transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também conceituais.
Os conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo ou profissão de fé; as deduções ou explicações de tais conceitos constituem a teologia ou ensinamento de cada religião, que enfoca temas sobre a divindade, suas relações com os homens e os problemas humanos cruciais: a morte, a moral, as relações humanas etc. Entre as crenças destaca-se, em geral, uma visão esperançosa sobre a salvação definitiva das calamidades presentes, que pode ir desde a mera ausência de sofrimento até a incógnita do nirvana ou a felicidade plena de um paraíso.
A manifestação das próprias crenças e anseios mediante ações simbólicas é inerente à expressividade humana. Da mesma forma, as crenças e sentimentos religiosos têm se manifestado através dos ritos, ou ações sagradas, praticados nas diferentes religiões. Até no budismo, contra o ensinamento de Buda, desenvolveram-se desde o começo diversas classes de rituais. Toda religião que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos ao ser vivida pelo povo. Existem ritos culturais em honra à divindade, ritos funerários, ritos de bênçãos ou de consagração e muitos outros. Observa-se em geral, nas diversas religiões, a existência de ministros ou sacerdotes encarregados de celebrar os principais rituais e, em especial, o culto à divindade. Os atos mais importantes desse culto são oferendas e sacrifícios praticados em conjunto, com invocações e orações. Com frequência celebram-se os ritos em lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos tempos.
O terceiro elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta do indivíduo (como já estudado na disciplina Sociologia da Religião) ou do grupo no que se refere a Deus, a seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas éticas. Quase todas as religiões cristalizam-se em algumas instituições dogmáticas (doutrinárias) e cultuais (sacerdócio, hierarquia). Muitas delas chegam a institucionalizar a conduta, com a criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e a organizar administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas propriedades. Essas instituições dão forma e coesão aos crentes como um grupo social: religião, povo, igreja, comunidade; a elas somam-se outras instituições voluntárias de tipo assistencial ou de plena dedicação religiosa, que correspondem a grupos informais dentro do grupo institucionalizado. As instituições consideram imprescindível a forma externa, enquanto que a fé considera o espírito interno como essencial à religião. (ênfase minha: Jo 4.23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Principais características da filosofia antiga
As características mais importantes da filosofia antiga:
Foi a primeira etapa da filosofia ocidental; Surgiu na Grécia Antiga no século XVII e durou até a Queda do Império Romano, no século V, também serviu de base para o modo de pensar ocidental e resultou no surgimento das primeiras formas de ciência e pensamento místico.
É dividida em três períodos: pré-socrático, socrático e helenístico, como vimos anteriormente. As principais escolas são: platonismo, aristotelismo, estoicismo, epicurismo, ceticismo, cinismo. Entre seus principais representantes estão Platão, Aristóteles, Epicuro, Tales de Mileto e Sócrates.
Platonismo
Platão (427 à 347 a.C.) foi o primeiro filósofo antigo cujo trabalho pode ser acessado em grande quantidade. Entre suas contribuições se destacam seus estudos políticos e o conceito de universais (tudo o que está presente em lugares e momentos diferentes, como sentimentos, misticismo, etc). Platão estabeleceu uma escola em Atenas chamada Academia, que permaneceu em funcionamento até o ano 83 depois de Cristo, o que contribuiu para a disseminação das suas ideias mesmo após sua morte.
Aristotelianismo
Aristóteles (384 à 322 a.C.) é um dos filósofos mais influentes da história. Seus ensinamentos foram essenciais para o avanço de diversas áreas como lógica, ética, retórica, biologia, etc. O trabalho de Aristóteles exerceu extrema influência não apenas na tradição ocidental mas também na indiana e arábica.
Estoicismo
O estoicismo foi uma escola filosófica iniciada em Atenas por Zenão de Cítio, por volta do ano 300 a.C. Para os estoicos, o objetivo da filosofia era levar o ser humano a um estado de tranquilidade absoluta, independente de fatores externos ao indivíduo. O estoicismo tinha como foco o estudo da metafísica e o conceito de logos (ordem universal), defendendo que tudo o que acontece, acontece por uma razão.
Epicurismo
Epicuro (341 à 270 a.C.) defendia que a única forma digna de se viver é através de prazeres moderados que não se confundiam com os vícios. Suas ideias se voltava para o cultivo de amizades e atividades artísticas como música e literatura. Epicuro também defendia que tudo acontece por acaso e que a realidade em que vivemos é apenas uma entre várias possíveis.
Ceticismo
O ceticismo foi uma escola filosófica iniciada por Pirro de Élis (360 à 270 a.C.) que defendia um constante questionamento de todos os aspectos da vida. Pirro acreditava que a ausência de julgamentos era suficiente para conduzir o ser humano à felicidade.
Cinismo
A escola filosófica do cinismo foi iniciada por Antístenes (445 à 365 a.C.). A corrente acreditava que o sentido da vida era viver de acordo com a própria natureza. Assim, a virtude consistiria em rejeitar os desejos de riqueza, poder e fama e buscar uma vida simples.
A revelação religiosa
A revelação religiosa é um conhecimento acabado. Vem de fora. É divino por natureza. Não é uma procura, nem há liberdade sobre ele. Contrapõe-se ao filosofar e à criatividade doa intelecto humano, o qual se constrói à medida que permite uma negação implícita. Essa oposição, entre a religião revelada e o saber filosófico, não quer significar que são conhecimento dicotômicos, isto é, não são polaridades isoladas, mas extremidades de um longo espectro de que se constitui o saber humano.
Para além da filosofia e da religião existem outras formas de apreensão da realidade. As capacidades intelectivas humanas não se esgotam na crença nem são frutos da construção típica do conhecimento científico. A intuição e as possibilidades emocionais favorecem a aquisição do saber, cuja interferência religiosa e científica são nulas. A religião calcada na revelação transforma-se em dogma e permite a estagnação do saber. Religião, enquanto conexão ao que existe de mais transcendente em si mesmo, bem como a íntima ligação com o Criador, contribui para a elevação do espírito e se torna dinâmica. A Filosofia não se contrapõe à religião, porém difere em seu objeto e em seu significado. A Filosofia se propõe à busca das causas últimas e sempre se encontra em evolução. Tal busca não transcende as capacidades cognitivas humanas. A razão, ou intelecto, é o instrumento para tal. A religião, por outro lado, implica em busca de conexão com o sagrado em si mesmo, o que implica no uso de outros instrumentos além da razão, dentre os quais a fé.
O advento do cristianismo introduziu discussões filosóficas ligadas à existência de Deus e ao caráter do conhecimento religioso. Modificou os rumos da filosofia especulativa, impondo o domínio da religião sobre a filosofia, cuja alforria veio a acontecer após o início do racionalismo[1]. A Filosofia ocidental nunca mais foi a mesma após a entrada das questões religiosas e teológicas no campo da especulação metafísica. Quando a imortalidade do espírito entrarem no domínio da Filosofia, esta se modificará, ampliando seus horizontes. O advento do cristianismo fez surgir uma espécie de filosofia cristã, portanto com características diversas da filosofia grega original. As questões teológicas predominaram sobre outras, que certamente conduziriam o ser humano à percepção de si mesmo de forma mais direta. O dogma teológico predominou sobre a liberdade criativa.
O surgimento do cristianismo significou uma intervenção no psiquismo humano. Levou o ser humano de retorno ao inconsciente sagrado monoteísta. Permitiu-lhe uma percepção embrionária do significado de Deus. Levou-o a focar sua atenção na existência do si mesmo. Possibilitou, de certa forma, a conscientização da existência das coisas. Alcançou uma maior valorização das percepções intuitivas, não sensoriais. Levou-o a um melhor auto-posicionamento em relação a Deus, em detrimento de uma ausência de referencial psíquico superior. Facilitou o surgimento de maiores possibilidades de representação do Self[2] através da criatividade. A entrada e intervenção do Cristo na história do homem ocidental representa um redirecionamento da psiquê na direção da percepção do si mesmo, que não estava sendo alcançado pelo pensamento/conhecimento humano de então. Muitos ainda confundem o saber religioso com a prática religiosa. O primeiro compreende uma série de princípios, cuja inércia promove, de um lado, sua manutenção, e de outro o enquadramento canônico responsável por atrofias. A segunda, muito mais dinâmica, submete-se ao espírito da época e a contingências culturais, políticas e sociais, flexibilizando o primeiro, permitindo-lhe constante atualização. Questões únicas sobre ser ou não ser um saber religioso decorrem da dificuldade em se diferenciar ambos os aspectos. O termo religião é entendido como uma atitude íntima, particular, transcendente, de contato com o sagrado. A prática religiosa, qualquer que seja, atualiza, através do rito, os princípios sobre os quais ela se assenta. Isso não implica na mudança de paradigmas, pois estes pertencem a um campo mais amplo no qual a prática geralmente está ausente e o desconhece. Se, por exemplo, estivéssemos pensando a respeito do princípio da imortalidade da alma, tentando estabelecer a diferença entre seu caráter tipicamente canônico e a forma como ele é vivido pelos que nele acreditam, veríamos um abismo muito grande. O princípio, embora real, é vivido como uma maldição ou como algo negativo, do qual se foge e ao qual se teme. A vida não é vivida considerando a imortalidade, mas sim como se tudo acabasse com a morte do corpo.
A religião, como conexão com o divino, mesmo da forma tradicional como é professada, preenche uma necessidade interna de equilíbrio em face da existência da sombra e do “mal” interior. diferença entre seu caráter tipicamente canônico e a forma como ele é vivido pelos que nele acreditam, veríamos um abismo muito grande. O princípio, embora real, é vivido como uma maldição ou como algo negativo, do qual se foge e ao qual se teme. A vida não é vivida considerando a imortalidade, mas sim como se tudo acabasse com a morte do corpo.
A religião, como conexão com o divino, mesmo da forma tradicional como é professada, preenche uma necessidade interna de equilíbrio em face da existência da sombra e do mal interior que perdura no homem. que ela é necessária e fundamental para o equilíbrio psíquico. As inconsistências percebidas pelo ser humano em face de sua incompreensão da realidade, provocadas pelas estranhezas existentes na natureza e pelos mais obscuros processos criados por Deus, geram um vazio psíquico a ser preenchido pelo sagrado. Esse sagrado vai compensar aquelas incompreensões no ser humano. Mesmo que se criem filosofias de cunho materialista, mesmo que se negue a existência de Deus e se elimine o desejo de viver uma religião ou se racionalize a existência, ainda assim o vazio naturalmente existente na psiquê pedirá algum tipo de preenchimento. Quanto mais polarizado o ser humano no radicalismo racionalista ou na negação do divino, mais surpreendente será sua conversão religiosa. O ego será surpreendido em algum momento com uma fantástica experiência divina. Não se pode fugir do misterioso e doce encontro com o divino.
Diferente da religião, a filosofia é autônoma e independente de cânones, sejam religiosos, políticos ou de qualquer natureza. Ela não se ocupa exclusivamente em questionar o fato, mas também especula sobre suas causas e sua natureza, bem como sobre as implicações decorrentes. A religião, como tradicionalmente é entendida, implica na aceitação de uma revelação, em uma verdade aceita tal e qual foi recebida e originada de algo superior, geralmente testemunhada por uma pessoa. Sobre essa revelação geralmente não há investigação.
O cristianismo, enquanto movimento popular, surgiu após a morte e ressurreição de Jesus, quando seus apóstolos se reuniram para decidir os rumos do movimento nascente. Em seguida às diretrizes estabelecidas para aquele movimento, surge a Igreja, a qual mais tarde se tornou católica (romanismo). Gradativamente a igreja católica, ao longo de sua história, foi colocando acessórios da consciência nas ideias “selficas” do Cristo ressurreto, modificando a prática de sua mensagem.
Diante de tais tendências filosóficas, o cristianismo seria uma opção transcendente, se não tivesse empurrado para uma Igreja aliada ao Estado (Reviravolta de Constantino). Por ter se tornado popular e por conseguir um certo domínio sobre grande parte da população, a Igreja foi cooptada pelo Estado, o qual distorceu os princípios cristãos por conta de contingências políticas. O Estado é uma instituição necessária, porém não absoluta. Ao se aliar ao Estado, em muitos séculos, a igreja perdeu suas características transcendentes. Filosofia, Religião e Poder Político são instâncias distintas na vida do ser humano, porém se misturaram de forma prejudicial na mente humana quando não compreendidas de forma livre de qualquer ganância e pessoalidade. As ideias cristãs vieram para preencher aquele vazio da consciência que ansiava pelo encontro com o divino. Não é uma filosofia ou um conjunto de regras sociais, mas uma possibilidade de autocompreensão.
2. Interioridade e Fecundidade Espiritual
A iluminação da pessoa sobre o mundo exterior está na dependência e em proporção com a riqueza da vida interior
O homem é a característica do espírito. Por sua inteligência e liberdade, ele se coloca essencialmente por cima de todo o material, biológico e animal. Sem deixar de participar da matéria e da vida material vegeto-sensitiva, ele, por sua vida inteiramente imaterial da inteligência (que apreende o ser e as essências universais) e por sua liberdade (que rompe o determinismo e o faz dono de sua atividade e de seu ser e destino temporal e eterno), se coloca num mundo novo, inteira e essencialmente outro, não conhecido nem sequer vislumbrado pelas zonas materiais do ser. Esse mundo e tanto mais interior ou imanente quanto maior e sua iluminação sobre o mundo exterior e transcendente. Paradoxalmente, a medida dessa iluminação transcendente do espírito e dada pela profundidade e concentração de sua imanência. Em deus em quem o espírito se realiza na perfeição plena, a posse do Ser ou Perfeição infinita e da onipotência ou poder de realizar do ser transcendente, em toda as suas possibilidades fora d’Ele, é dada na imanência ou concentração suprema do Ato Puro.
Proporcionalmente, no homem, a influência de sua vida sobre o mundo espiritual (intelectual, moral e religioso) e material dos demais homens e da sociedade, e sobre o próprio mundo corpóreo, vegetal e animal, não se alcança senão na medida da profundidade e riqueza da vida interior do espírito: da reflexão, que concentra a luz da inteligência sobre si, iluminando a interioridade própria, e da virtude, que ordena e fecunda humanamente a atua ao da liberdade. Os grandes atos que decidem a vida pessoal ou coletiva nos diferentes planos da cultura: da religião, da moral, da ciência, da arte, da política, da economia e até mesmo da técnica, não se realizam na dissipação do espirito mergulhado nas coisas exteriores, mas em sua intimidade luminosa e ardente, no fecundo silencio interior que esclarece e acende a vida do espírito. E ali, por outro lado, na vida espiritual da alma, de sua inteligência e vontade livre, onde se insere a ação sobrenatural da Graça, que eleva a uma ordem divina o ser e a atividade espiritual.
Verdade que se verifica antes de tudo no domínio da santidade
A santidade, como entrega amorosa do homem a Pessoa de Deus e o ajuste consequente da vida a sua Lei e Vontade. A vida se irradia neste amor ao interesse dos homens, não se alcança senão na intimidade da alma, onde ela se desvela e se encontra em presença de Deus com sua infinita transcendência: Regnum Dei intra vos est. – O reino de Deus está dentro de vós. Não é na exterioridade, mas na “solidão sonora”, onde Deus se descobre e se comunica a alma e onde os santos (crentes) por esta comunica-se a vida divina – tomam as resoluções que mudaram e transformaram não só sua própria existência como a própria sociedade através da história. Bastaria recordar a santos da igreja primitiva.
Todos os autênticos reformadores e fundadores das maiores obras da igreja as levaram a cabo nutrindo-as e fortalecendo-as desde as mais fundas raízes de sua vida interior, destituídos muitas vezes de todos os recursos e meios humanos e vice-versa, com a abundância de todos esses recursos, as obras de apostolado melhor planejadas e dirigidas em sua realização se desfazem quando não mergulham suas raízes da “agua viva” da vida interior, que neste caso, e interioridade divina da vida de Deus transformadora da alma.
Filosofia e Espiritualidade
A filosofia é um conhecimento profundo a respeito dos porquês da Vida. Sua função especulativa alimenta o espírito em seus questionamentos fundamentais, apaziguando a ânsia em responder-se intimamente. A cada época, e de acordo com a cultura de cada filósofo e de seu meio, ela foi respondendo parcial- mente as principais questões que o ser humano veio se fazendo ao longo da história. Seus limites são os do saber humano, suas possibilidades são as do pensar e seu alcance é o infinito, assim como o é a Vida. A filosofia tem se tornado cada vez menos empirista e cada vez mais psicológica por conta da natureza subjetiva do saber humano. Ele próprio tem se percebido um ser cada vez mais psicológico do que material, porém menos etéreo e vago como pensavam os antigos filósofos. A filosofia tornou-se mais próxima do pragmatismo do que do idealismo característico da especulação, por conta do olhar psicológico nela introduzido.
Quando se diz que um sistema é filosófico apenas porque responde a meia dúzia de interrogações genéricas a respeito da causalidade do mundo e do destino humano, reduz-se a compre- ensão tanto de um como de outro. Para que um sistema de idéias possa, efetivamente, ser chamado de uma filosofia, é necessário que sejam apresentados argumentos consistentes, os quais aten- dam a requisitos internacionalmente reconhecidos. A Filosofia se ocupa de tudo o que é inerente ao humano, principalmente no que diz respeito às explicações de sua existência e dos conflitos inerentes à vida. Ela é a tentativa do ser humano de compreender o mundo e a si mesmo, buscando trazer luz à consciência.
No saber que é uma explicação baseada numa linguagem compreensível encontra-se uma redução limitada ao psiquismo coletivo, à época e ao meio, a respeito da realidade apreendida. Tal realidade deve ser compreendida como aquilo que é simbolicamente a arquetipicamente construído no psiquismo humano. Portanto, o saber é uma representação do que se acredita ser a realidade construída. Torna-se limitador querer submeter o saber a um único crivo, seja filosófico, seja científico ou religioso, pois todo conhecimento se desvenda e deve sempre ser contextualizado. Ela, a filosofia, também tem o objetivo de trazer luzes aos problemas humanos, aclarando o pensamento do sujeito, a fim de que todos possam melhor compreender todo ciclo de vida. Esse objetivo tem sido útil à proposta de levar o ser humano ao encontro de sua natureza espiritual. A filosofia tem diminuído as sombras reducionistas que impedem a visão da verdade da vida espiritual. Os pensadores e amantes da filosofia já não são mais indivíduos de vida contemplativa e ascética, nem tampouco monges que se excluem da vida social comum. Encontramo-los entre psicólogos, cientistas políticos, filólogos, escritores, matemáticos, dentre outros estudiosos preocupados com o psiquismo humano, cujo campo estrutural se constitui e contém o alfa e o ômega do saber humano.
A filosofia deve atender não apenas a sede de saber humano, mas também oferecer às pessoas um sistema com paradigmas que permitam estratégias de vida que as deixem mais felizes e mais harmoniosas consigo mesmas. Uma filosofia é mais do que um saber intelectual, pois deve alcançar qualquer ser humano em sua vida simples e em seu cotidiano com seus processos existenciais. Um olhar espiritual sobre o saber filosófico talvez nos leve a uma melhor compreensão do complexo da natureza humana, essencialmente espiritual. É inegável que a visão espiritual contribui para uma maior percepção da realidade. Isso não exclui a compreensão das estruturas psicológicas, cuja consideração é fundamental para um melhor entendimento da natureza espiritual do ser humano. Isso quer dizer que as estruturas psíquicas (inconsciente, arquétipos, consciência, ego, etc.) são imprescindíveis. Ao colocar numa maior ênfase, e principalmente, o viés psicológico, o que é compreensível, haja vista que a visão psicológica permeia a consciência, impregnando a forma como aborda as questões que dizem respeito à natureza essencial do ser humano.Tanto quanto a ciência, o saber que a filosofia oferece é provisório, pois se modifica conforme nossas estruturas que se renovam.
A Filosofia deve oferecer ao ser humano uma compreensão do mundo e dele mesmo, a qual viabilize os objetivos para os quais foi criado. Deve levá-lo a se espiritualizar mais, bem como a que realize seu próprio progresso. Não deve ser apenas um conjunto de ideias para deleitar intelectuais, tampouco se tornar um conhecimento exclusivamente sobre o passado, no intuito de entendê-lo. Isto é tarefa da História.
A palavra espiritualidade tem vários sentidos. Aqui, vamos utilizá-la significando estar ou existir no mundo (material ou espiritual) consciente de seu pleno saber, vivendo de forma autodeterminada e feliz. É também um olhar subjetivo e espiritual a respeito dos eventos e processos da Vida. Uma ciência ou uma filosofia, enfim, um saber, deve indiretamente levar o ser humano à espiritualidade verdadeira, “e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará… João 8:32”.
Parece que, até então, a filosofia tem contribuído para a espiritualização do ser humano, mesmo que timidamente. Quando apresentou uma visão materialista da realidade, sobretudo no período que compreende o racionalismo, o empirismo e o iluminismo, não deixou de trazer benefícios ao real significado das questões espiritualistas. Tal visão, antes de ter sido um prejuízo, ou contrária à espiritualidade, tornou-se um reforço para a solidificação das raízes e busca ao criador. “Nenhuma ave voa sem ter partido de um ninho construído ao abrigo da terra, nem tampouco sem saber que haverá aonde pousar”.
O surgimento das ciências, como campo de conhecimento (psicologia, antropologia, sociologia, história, pedagogia, etc.), vendo que Jesus de Nazaré foi o maior pedagogo, à partir da daí contribuiu para que esta última melhor definisse seu objeto. Cada nova importante contribuição ao saber, oriunda da filosofia, faz surgir um novo campo, redefinindo mais especificamente seu objeto de estudo, o qual se aproxima cada vez mais do campo espiritual. A filosofia é interpretação. Tal interpretação modifica a realidade de quem a faz.
Filosofia e Espiritualidade – uma abordagem psicológica Filosofia e Religião
A revelação [religiosa] é um conhecimento acabado9. Vem de fora. É divino por natureza. Não é uma procura, nem há liberdade sobre ele. Contrapõe-se ao filosofar e à criatividade do intelecto humano, o qual se constrói à medida que permite uma negação implícita. Essa oposição, entre a religião revelada e o saber filosófico, não quer significar que são conhecimentos dicotômicos, isto é, não são polaridades isoladas, mas, extremi- dades de um longo espectro de que se constitui o saber humano. Para além da filosofia e da religião existem outras formas de apreensão da realidade. As capacidades intelectivas humanas não se esgotam na crença nem são frutos da construção típica do conhecimento científico. Aintuição e as possibilidades emocionais favorecem a aquisição do saber, cuja interferência religiosa e científica são nulas. A religião calcada na revelação transforma-se em dogma e permite a estagnação do saber. Religião10, enquanto conexão ao que existe de mais transcendente em si mesmo, bem como a íntima ligação com o Criador, contribui para a elevação do espírito e se torna dinâmica.
A Filosofia não se contrapõe à religião, porém difere em seu objeto e em seu significado. A Filosofia se propõe à busca das causas últimas e sempre se encontra em evolução. Tal busca não transcende as capacidades cognitivas humanas. A razão, ou intelecto, é o instrumento para tal.Areligião, por outro lado, implica em busca de conexão com o sagrado em si mesmo, o que implica no uso de outros instrumentos além da razão, dentre os quais a fé, a intuição e a mediunidade ocupam lugares de destaque.
O advento do cristianismo introduziu discussões filosóficas ligadas à existência de Deus e ao caráter do conhecimento religioso. Modificou os rumos da filosofia especulativa, impondo o domínio da religião sobre a filosofia, cuja alforria veio a acontecer após o início do racionalismo. A Filosofia ocidental nunca mais foi a mesma após a entrada das questões religiosas e teológicas no campo da especulação metafísica. Quando a imortalidade do espírito e a mediunidade entrarem no domínio da Filosofia, esta, se modificará, ampliando seus horizontes. O advento do cristianismo fez surgir uma espécie de filosofia cristã, portanto com características diversas da filosofia grega original. As questões teológicas predo- minaram sobre outras, que certamente conduziriam o ser humano à percepção de si mesmo de forma mais direta. O dogma teológico predominou sobre a liberdade criativa.
O surgimento do cristianismo significou uma intervenção no psiquismo humano. Levou o ser humano de retorno ao inconsciente sagrado monoteísta. Permitiu-lhe uma percepção embrionária do significado de Deus. Levou-o a focar sua atenção na existência do si mesmo. Possibilitou, de certa forma, a conscientização da existência das capacidades mediúnicas. Alcançou uma maior valorização das percepções intuitivas, não sensoriais. Levou-o a um melhor auto-posicionamento em relação a Deus, em detrimento de uma ausência de referencial psíquico superior. Facilitou o surgimento de maiores possibilidades de representação do Self 11 através da criatividade.
A entrada do Cristo “O Senhor dos senhores”, na História ocidental representa um redirecionamento na direção da percepção do si mesmo, que estava sendo alcançado pelo pensamento/ conhecimento humano de então.
Muitos ainda confundem o saber religioso com a prática religiosa. O primeiro compreende uma série de princípios, cuja inércia promove, de um lado, sua manutenção, e de outro o enquadramento canônico responsável por atrofias psíquicas. A segunda, verdadeiramente dinâmica, submete-se ao espírito flexibilizando o primeiro, permitindo-lhe constante atualização.
Quando o termo religião é entendido como uma atitude intimamente ligada ao divino, particular, transcendente, de contato com o sagrado. Na presença de Deus em todas as coisas e nas mais complexas e simples experiências da vida, não oprime nem impõe sacrifícios tolos, conforme Os 6.6 “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos“, pois liberta a consciência para a percepção das mais intrincadas questões da vida espiritual. Religião não é apenas uma convenção ou uma questão coletiva, mas uma responsabilidade individual diante de Deus. Nesse sentido, a religião se torna algo estritamente íntimo e pessoal e intransferível de pessoa para pessoa. Diferente da religião, a filosofia é autônoma e independente de cânones, sejam religiosos, políticos ou de qualquer natureza. Ela não se ocupa exclusivamente em questionar o fato, mas também especula sobre suas causas e sua natureza, bem como sobre as implicações decorrentes. A religião, como tradicionalmente é entendida, implica na aceitação de uma revelação, uma verdade aceita tal e qual foi recebida e originada de algo superior, geralmente testemunhada.
Por fim, o Platonismo da época imperial é substancialmente um “credo” religioso fundado em “dogmata” totalmente inconciliáveis com a doutrina cristã. Neste sentido, o Platonismo da Antiguidade tardia, sendo inseparavelmente teologia e religião, e não apenas filosofia racional, não pode ser acolhido pelo Cristianismo.
Fé x Razão
Tradicionalmente, o capítulo da História da humanidade relativo ao tema “conflito entre razão e fé” é atribuído a um período medieval em que se travava um confronto entre os adeptos da boa nova, isto é, a religião cristã, e seus adversários moralistas gregos e romanos, na tentativa de imporem seus pontos de vistas. Para estes, o mundo natural ou cosmos era a fonte da lei, da ordem e da harmonia, entendendo com isso que o homem faz parte de uma organização determinada sem a qual ele não se reconhece e é através do lógos que se dá tal reconhecimento. Já para os cristãos, a verdade revelada é a fonte da compreensão do que é o homem, qual é sua origem e qual o seu destino, sendo ele semelhante a Deus-pai, devendo-lhe obediência enquanto sua liberdade consiste em seguir o testamento (aliança).
Disso surgem as formas clássicas de combinação dos pais medievais: aqueles que separam os domínios da razão e da fé, mas acreditam numa conciliação entre elas; aqueles que pensam que a fé deveria submeter a razão à verdade revelada; e ainda aqueles que as veem como distintas e irreconciliáveis. Esse período é conhecido como Patrística (filosofia dos pais da igreja).
No entanto, levanta-se a questão de que esse conflito entre fé e razão representa apenas um momento localizado na história. A filosofia, tendo como característica a radicalidade, a insubordinação, a luta para superar pré-conceitos e estabelecer conceitos cada vez mais racionais através da história, mostra que, desde seu início, esta relação tem seus momentos de estranhamento e reconciliação. Por exemplo, na Grécia antiga, o próprio surgimento da filosofia se deu como tentativa de superar obstáculos oriundos de uma fé cega nas narrativas dos poetas Homero e Hesíodo, os educadores da Hélade. A tentativa de explicar os fenômenos a partir de causas racionais já evidenciava o confronto com as formas de pensar e agir (fé) do povo grego que pautava sua conduta pelos mitos. O próprio Sócrates, patrono da filosofia, foi condenado por investigar a natureza e isso lhe rendeu a acusação de impiedade. Mais tarde, a filosofia cristã se degladiou para fundamentar seu domínio ideológico, debatendo sobre os temas supracitados. Na era moderna, com encrudescimento da inquisição, surge o renascimento[3] que apela à razão humana contra a tirania da igreja medieval (romanismo). Basta olhar os exemplos de Galileu, Bruno e Descartes, que reinventaram o pensamento contra a fé cega que mantinha os homens na ignorância das trevas e reclamava o direito à luz natural da razão. A expressão máxima desse movimento foi o Iluminismo[4] que compreendia a superação total das crenças e superstições infundadas e prometia ao gênero humano dias melhores a partir da evolução e do progresso.
Hoje, essa promessa não se cumpre devidamente. O homem dominou a natureza, mas não consegue dominar as suas paixões e interesses particulares. Declarado como expropriado dos meios de produção e forçado a sobreviver, eis que o homem se aliena do processo produtivo e se mantém em um domínio cego, numa crença inconsciente de si e do outro (ideologia). O irracionalismo cresce à medida que se promete liberdade aos seres humanos a partir de outra fé: o trabalho. O homem explora e devasta o mundo em que vive e não tem consciência disso. E tudo isso para enriquecer uma classe dominante, constatando o interesse egoísta e classista. Parece, pois, que a luta entre razão e fé não é apenas localizada, mas contínua, já que sempre há esclarecidos, esclarecimentos e resistência a esses esclarecimentos. A razão se rebela com o estabelecido e quando se impõe, torna-se um dogma incutido nos homens de cada tempo. Numa linguagem hegeliana, uma tese que se torna antítese e necessita já de uma síntese para que a razão desdobre a si mesma.”
Razão a serviço da fé
Razão e fé são incompatíveis? Tais questões foram centrais na filosofia medieval, que, por mais de mil anos (aproximadamente, entre os séculos 2 d.C. e 13 d.C.), subordinou especulações filosóficas aos dogmas das escrituras sagradas, sob o domínio do romanismo. A partir da Renascença, o período passou a ser conhecido como Idade Média, para caracterizar uma era de “trevas” para a razão, localizada entre o florescimento da filosofia helenística na Antiguidade e sua retomada no fim do século 13. Mas, ao contrário, a Idade Média foi uma época de consideráveis avanços em filosofia, principalmente no campo da lógica, e cujos temas permanecem atuais.
Podemos destacar dois períodos na filosofia medieval. O primeiro, a Patrística (2 a.C. a 7 d.C.), teve como maior expoente Agostinho de Hipona (354-430), o filósofo que adaptou o pensamento de Platão aos preceitos do romanismo. O outro período, a Escolástica (século 8 a 14), assim chamada em razão dos professores das universidades medievais, os escolásticos, foi marcada pela tentativa de conciliação entre razão e fé. Um dos mais importantes nomes da filosofia medieval e maior representante deste período foi Tomás de Aquino (c.1225-1274), como vamos estudar posteriormente.
Na época de Tomás de Aquino começaram a ser difundidos na Europa escritos de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), grande parte graças a filósofos árabes como Averróes e Avicena, que traduziram e comentaram a obra. Mas, ao contrário de Platão, cuja filosofia idealista incluía, por exemplo, uma noção de alma imortal (e, deste modo, pôde se adequar mais facilmente ao cristianismo), o pensamento aristotélico, com seu caráter mais científico, representava uma ameaça à política eclesiástica. Coube a Tomás de Aquino tornar a metafísica aristotélica não somente aceitável para os cânones papais como também um fino tecido argumentativo em favor da fé cristã. Oposto à Patrística, o pensamento tomista é construído em bases racionais e empíricas. Desenvolvido a partir da prática, da observação, por oposição à teoria. Relacionado com o empirismo, com a doutrina que o conhecimento como consequência da experiência, aprendeu por meio dos sentidos ou da introspecção., separando filosofia de teologia, apesar de subordinar a primeira à segunda. Assim, o papel da razão é demonstrar e ordenar os mistérios revelados pela fé. Razão e fé puderam ser, enfim, harmonizadas, apesar de serem distintas, mesmo no que diz respeito às verdades que podem alcançar, conforme afirma Tomás de Aquino em “Súmula contra os gentios”: Com efeito, existem a respeito de Deus verdades que ultrapassam totalmente as capacidades da razão humana. Uma delas é, por exemplo, que Deus é trino e uno. Ao contrário, existem verdades que podem ser atingidas pela razão: por exemplo, que Deus existe, que há um só Deus etc. Estas últimas verdades, os próprios filósofos as provaram por via demonstrativa, guiados que eram pelo lume da razão natural.
3. A relação do Cristianismo com Platonismo e Aristotelismo
A oposição entre o platonismo e o aristotelismo, representada pela dialética gnosiológica entre a subjetividade, persiste até os dias de hoje, sem que se encontre uma saída adequada a essas tendências opostas. As teses platônicas, inclusive a respeito da imortalidade da alma e da reencarnação, foram abortadas, trazendo prejuízos à compreensão do ser humano a respeito de si mesmo.
O cristianismo em suas origens foi marcado e caracterizado por ser um movimento muito plural e diversificado, ele se apropriou de perspectivas que o ajudaram a caminhar em meio a cultura da época sem se dissolver, permitindo assim seguir-se entendido pela sociedade por meio de ideias e linguagens que o apoiou tanto em sua mensagem (kerygma) como em sua defesa de fé (apologética). Há uma imensidão de perspectivas que podemos trilhar para identificar quais pensamentos e quais pensadores que serviram de suporte auxilio para o cristianismo das origens, foram várias filosofias suas implicações positivas e negativas geradas.
Platonismo
Platão foi discípulo de Sócrates e o primeiro teórico idealista. Escreveu sobre diversos temas, como amor, amizade, política, justiça, imortalidade da alma, entre outros.
O idealismo platônico é o que há de mais marcante em sua obra. Com base na noção de que o conhecimento das Ideias ou formas puras, imutáveis e perfeitas é o único conhecimento verdadeiro (obtido pelo intelecto), o filósofo afirmou que o nosso conhecimento sobre a matéria (obtido pelos sentidos) é enganoso.
Mesmo Platão tendo falecido no ano de 347 a.C. ele deixou algumas obras vivas que tratavam de diversos assuntos e que continuavam vivas mesmo através do tempo, tais obras foram relevantes e marcantes para o pensamento grego, e com o helenismo marcou a cultura e o imaginário popular de algumas gerações que foi até o nascimento do cristianismo. É nesse mundo então que o pensamento de Platão se encontrou com o cristianismo, encontro esse que não foi impossível de se evitar, pois o platonismo já era conhecido e estava presente nesses tempos, logo o cristianismo também foi ficando conhecido pela cultura da época, e por isso ambos os pensamentos se encontraram, se conheceram e se tornaram íntimos. Houve uma influência e uma troca de perguntas e respostas entre eles, e logo os pensamentos cristãos e platônicos se tornaram amigos, (prefere-se amigo do que servo) e passaram a andar de mãos dadas em praças públicas e em vias públicas (o uso do pensamento platônico pelo cristianismo era usado publicamente, assumido e reconhecido com facilidade, sem maquiagem). É claro que essa relação não para por aqui, até hoje há resquícios da influência desses pensamentos (desse encontro) que continua a marcar a espiritualidade cristã. A filosofia Platônica foi uma grande companheira do cristianismo, ambas andaram juntas de mãos dadas, embora em certas horas houve troca de tapas e beijos, foi inevitável, pois cada uma possuía certas convicções que contrariavam uma a outra, eram opostas, e então nesse ponto se separavam, no entanto o cristianismo soube lidar com as diferenças, ele se apropriou apenas do que convinha, ou com o que ele pensava que convinha, e com o que lhe era tido como benéfico, como escudo da fé, isto é, para sua defesa de fé (apologética), entre outras coisas.
Principais ideias:
Dialética platônica, de inspiração parmenidiana, era uma técnica de extração de uma conclusão (síntese) com base em duas ideias opostas (tese e antítese).
Idealismo platônico é o que há de mais marcante em sua obra. Com base na noção de que o conhecimento das Ideias ou Formas puras, imutáveis e perfeitas é o único conhecimento verdadeiro (obtido pelo intelecto), o filósofo afirmou que o nosso conhecimento sobre a matéria (obtido pelos sentidos) é enganoso.
Aquilo que conhecemos por meio de nossos sentidos corpóreos são meras ilusões causadas por nossos órgãos do sentido, portanto, são conhecimentos inferiores. O conhecimento ideal estaria, segundo o filósofo grego, no Mundo das Ideais, estância metafísica racional que só poderia ser alcançada por nosso intelecto. Hoje, utilizamos a expressão “amor platônico”, que se refere a um tipo de amor que nunca se concretiza, ou seja, é ideal.
Política: para Platão, existem três tipos de caráter que moldam as almas das pessoas. Cada tipo, em sua teoria política, deveria ocupar o seu respectivo cargo na sociedade, a fim de formar uma organização perfeita da pólis:
-Caráter concupiscível: mais ligado à liberdade e aos desejos, é o caráter de pessoas mais afeitas ao trabalho manual e artesanal.
-Caráter irascível: por serem dominadas por impulsos de raiva, essas pessoas estariam aptas ao serviço militar.
-Caráter racional: esse tipo de caráter estaria, para Platão, mais próximo da racionalidade e, concomitantemente, da justiça, o que conferiria às pessoas que o têm a capacidade de governar, ou seja, de atuar na política.
Obras
A maior parte dos escritos de Platão é composta pelos diálogos socráticos, em que o seu mestre, Sócrates, é a figura central. Em geral, os diálogos falam sobre um determinado tema, mas sem grandes delimitações ou especificações, podendo falar sobre outros assuntos. Temos conhecimento, hoje, de 35 diálogos deixados por Platão. Abaixo, estão listados os principais textos e suas características gerais:
- 1. Apologia de Sócrates: escrito após a morte de Sócrates, o texto narra os últimos momentos do mestre de Platão, quando foi acusado de corrupção da juventude de Atenas, julgado e condenado à morte.
- 2. Láques, ou Da coragem: o livro traz uma nova concepção de coragem ao cidadão grego, antes habituado à concepção heroica relacionada a Aquiles e Ulisses, por exemplo. Agora, a concepção de heroísmo ganha uma conotação de ação moralmente equilibrada e justa.
- 3. Hípias menor: diálogo em que são tratadas as noções de verdade, mentira e justiça.
- 4. Hípias maior: nesse texto, Platão expõe as suas concepções sobre o belo e as artes.
- 5. Górgias: livro que fala sobre a Retórica, tomando como interlocutores principais Sócrates e o sofista Górgias.
- 6. Fédon: diálogo em que Platão expõe a sua concepção de alma, de reencarnação e assuntos em relação à constituição metafísica do homem.
- 7. O Banquete: nesse livro, Platão utiliza a figura de Sócrates para falar sobre o bem e o amor ideal.
- 8. A República: foi escrita, mais ou menos, por volta de 380 a.C. A obra é dividida em dez livros, todos escritos na forma de diálogos em que Sócrates ocupa o lugar de personagem principal. Por meio desses diálogos, Platão apresenta as suas teses sobre a política e o que ele considera como justiça, enquanto conceito puro, eterno e imutável.
A apropriação cristã do pensamento platônico
Teologia, ela que é conhecida como a ciência encarregada do estudo sobre Theos, (Deus) seus atributos, sua vontade, seus ideais, suas manifestações e sua relevância na vida social e comunitária. Assim, essa palavra indica o estudo das coisas relativas a Deus, à sua natureza, obras e relações com os homens, etc.
Essa mesma palavra que dá nomes a cursos oferecidos para o público cristão com o propósito de aperfeiçoar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de cristo seja edificado Ef 4:13, é hoje usada e aceita no vocabulário cristão como legitima e aceitável, e uma coisa interessante a respeito disso é que ela talvez seja um dos melhores exemplos que podemos citar a respeito da apropriação cristã de termos platônicos da época para construção de ideias e de linguagem, pois a palavra teologia foi usada pela primeira vez por Platão, foi ele quem a criou embora a tenho usado não da mesma forma como é usada pelo cristianismo, mas de forma como teoria mítica a respeito dos deuses, ela era identificada também como mitologia, por isso a resistência cristã em usá-la.
A filosofia platônica não só permitiu a adoção da palavra teologia pelo cristianismo, mas como filosofia ajudou o cristianismo a usar da ferramenta da razão como instrumento de defesa e de enriquecimento para a construção de seus pensamentos, vejamos como isso funciona.
A filosofia platônica carregava conceitos que ajudaram o cristianismo a se firmar como uma religião que possuía certa forma lógica, assim ela ensinou o cristianismo a se sistematizar, e a procurar e encontrar razões e respostas que dão sentido as suas convicções. Embora a filosofia parta do princípio da razão, da especulação, investigação, enquanto o cristianismo parta do princípio da revelação, da fé, foi preciso que mesmo que o cristianismo tenha ponto de partida diferente da filosofia, que ele superasse isso, e que ele tivesse que se apropriar dos benefícios da razão para construção de seu pensamento, sem deixar de partir da fé como base e estrutura de tudo, logo, ele se apropriou da filosofia, que o ajudou e o ensinou melhor do que ninguém a agregar a razão a sua fé, juntamente com o sentido lógico, e é com essa junção que nasce a teologia, pois este é o processo principal para sua formação, a junção entre fé e razão. Quando a fé seduz a razão ai nasce a teologia. Também não apenas o termo teologia foi adotado pelo cristianismo, mas também um outro termo muito usado que é a palavra conversão, palavra essa que não apareceu primeiramente nos lábios do profeta Jesus de Nazaré ao convocar todos ao arrependimento, mas que já havia sido extraída por Platão e usada pelos filósofos da época. Por isso afirma Werner Jaeger (2014, p.19):
- Mesmo a palavra ”conversão” é extraída de Platão para adotar um significado filosófico de mudança de vida em primeiro lugar. Muito embora, a aceitação disso tivesse muitos motivos, o kerygma cristã fala da ignorância dos homens e promete dar-lhes um conhecimento melhor e, como as filosofias, ele se refere a um mestre e professor que possuiu e revelou a verdade. Essa revelação paralela entre filósofos gregos e os missionários cristãos levou esses últimos a aproveitá-la a seu favor.
Esse texto deixa bem claro que assim como Platão usava a palavra com um significado diferente do cristianismo, esse a incorporou em seu vocabulário como ferramenta missionária de linguagem, enriquecendo o kerygma e o fazendo mais inteligível e acessível a compreensão popular da palavra pregada. No século segundo as filosofias carregavam consigo uma explicação a respeito da criação do mundo, isso foi importante e marcou a cultura e a sociedade da época, pois as pessoas pertencentes dessas sociedades aderiam sempre uma explicação a respeito da existência do mundo, de sua origem, de sua criação, como vemos o apóstolo Paulo no areópago At 17.15-34. Estóicos, epicureus, aristotélicos, platônicos e entre outras correntes de pensamentos possuíam cada uma a sua visão e sua perspectiva, e mesmo assim entre elas havia singularidades e algumas semelhanças, mas mesmo assim podemos notar que havia uma imensa pluralidade de cosmovisões a respeito desse assunto, e por estar localizado nesse ambiente o cristianismo também foi questionado a responder tal questão que já era na época refletida por várias correntes de pensamentos. A teologia então se dispôs a responder essa questão, e foi usada por ela também o pensamento de Platão. Platão acreditava em um Artífice (que o cristianismo vai interpretar como Deus) que criou o mundo, e sobre ele Platão vai dizer:
- Dissemos que tudo o que é gerado necessita ter sido gerado por uma causa. No entanto, é muito laborioso encontrar o produtor e Pai deste universo, e, uma vez encontrado, é importante falar dele para todo o mundo. A respeito do universo deve-se perguntar: Foi contemplado qual dos exemplares que aquele que fabricou o Universo fabricou? O exemplar que é sempre do mesmo modo e idêntico ou aquele que é gerado? Ora, se este mundo é belo e o Artífice é bom, é evidente que ele contemplou o exemplar eterno; se, porém, o Artífice não é bom (o que nem sequer deveria ser dito), ele contemplou o exemplar gerado. É evidente, contudo, que ele contemplou o exemplar eterno: com efeito, o Universo é a coisa mais bela de todas as que foram geradas, e o Artífice é a melhor das causas.
Podemos perceber que Platão descreve certos aspectos à respeito do ”criador” que se assemelha muito com a perspectiva cristã da criação, não é por acaso que alguns ao notarem tais informações começaram a refletir sobre a possibilidade de não ser esses pensamentos a verificação e comprovação prática, explícita da veracidade de alguns registros bíblicos, como por exemplo Rm1:19- 20 que afirma que Deus se fez conhecido através da própria criação, e que através da criação os seus atributos são revelados. A respeito dessa possibilidade Pannenberg (2008, p37), cita a afirmação de Agostinho a respeito de seu pensamento quanto aos escritos platônicos:
- Assim, o que é possível conhecer, naturalmente os platônicos conheceram; Deus revelou-o, pois, desde a criação do mundo, os olhos da inteligência vêem, no espelho das realidades visíveis, as perfeições invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua divindade (V1116).”… ” Nenhuma se aproxima da nossa mais do que a doutrina de Platão” (V111,5).
Não só Agostinho, mas também Justino de Roma observa as afinidades existentes entre a doutrina cristã e o pensamento platônico em relação a criação, ele confessa isso questionando o ódio existente contra os cristãos da época:
- Por fim, se há coisas que dizemos de maneira semelhante aos poetas e filósofos que estimais, e outras de modo superior e divinamente, e somos os únicos que apresentamos demonstração, por que se nos odeiam injustamente mais do que a todos os outros? Assim, quando dizemos que tudo foi ordenado e feito por Deus, parecerá apenas que enunciamos um dogma de Platão. JUSTINO, 1995, p. 37-38
Portanto, vemos que existiam os textos filosóficos sobre tudo platônico da época que eram parecidos com os textos bíblicos e eram vistos pelos cristãos como parecidos com a verdadeira revelação divina das escrituras por eles usadas. Por essa semelhança e por essa afeição pelos escritos filosóficos da época pelos cristãos, é que podemos perceber como os textos filosóficos da época, sobre tudo platônicos, eram queridos pela mentalidade cristã, os cristãos possuíam grande apreço por esses escritos, mas mesmo sendo muito parecidos, e apesar das semelhanças, os textos não eram tratados como textos canônicos, o que eles faziam era se apropriar das partes dos textos que convinham e eram coerentes com a sua fé, quando ambos se chocavam o texto bíblico apostólico ganhava supremacia e era preferível a despeito do outro, mas ainda, mesmo através das divergências e das diferenças os cristãos souberam lidar muito bem com isso. Durante séculos a ontologia platônica se mostrou um apoio valioso para os filósofos cristãos, e os cristãos acabaram dependendo dela e tomando-a como diretrizes. Mesmo assim vale lembrar que ela não fazia parte da mensagem original de Cristo ou de seus opositores.
A demonologia também foi assunto questionado na época, existiam algumas correntes filosóficas e religiosas que afirmavam crenças em seres espirituais maus, que existiam mesmo não sendo visível, assim, a teologia então deu algumas explicações a respeito disso, e é claro, por já existir essa crença em seres espirituais malignos, isso favoreceu o cristianismo a defender a sua visão a respeito desses seres e de suas manifestações em meio ao mundo, não só isso, mas também aproveitou e demonstrou a sua fé no Ser que despojando as autoridades e poderes malignos, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre todos eles na cruz (Cl 2:15) além de identificar o ”problema” que também causa o mau, o cristianismo oferece a ”solução”, que é Jesus Cristo, o filho de Deus.
A filosofia platônica preparou um solo fértil para a semente da teologia, pois com a sua visão embora um pouco ofuscada, embaçada a respeito do assunto, isto é, que ela não estava totalmente certa, esta, já havia implantado no imaginário da cultura popular a existência destes seres malignos espirituais, e é ai que a teologia aprimorou esse pensamento e inseriu sua perspectiva com clareza, fazendo com que fosse aceito por esse solo a semente, e assim germinado e crescido, mas não de forma passiva, pois ela também contribui não só cooperando para difusão do pensamento de seres espirituais malignos etc., mas também ajudando-o a defender tal verdade.
Até agora analisamos a influência platônica apenas por um viés positivo e enriquecedor na teologia cristã, mas a história também nos informa que a influência desse pensamento transmitiu algumas perspectivas erradas e equivocadas a respeito de alguns assuntos, como por exemplo em relação ao homem, corpo, alma, mundo, coisas terrenas etc., que acabou sendo absorvida pela teologia e prejudicado sua visão ofuscando-a e a atrapalhando-a de enxergar coisas importantes a respeito de sua mensagem ao mundo, ao homem e a criação como um todo.
Contribuição errônea platônica ao cristianismo
Esse pensamento platônico que influenciou negativamente o pensamento cristão foi o dualismo platônico, este que é marcado por uma visão de mundo que enxerga as coisas transcendentes, que se encontram no mundo das ideias, como superiores as coisas terrenas, materiais, sejam elas quais forem, e isso está incluindo corpo, olhos, mãos, vida física, natureza etc., essas coisas são vistas em detrimento do que existe no mundo das ideias, comprometendo assim o seu valor e sua importância, com isso o platonismo nos convida a nos despir e nos soltar das coisas físicas e materiais. Bem observou e explicou a respeito desse pensamento Jean Grondin (2012, p.50) afirmando que de acordo com esse pensamento, o ser humano deve aspirar a despir-se do elemento corporal que o arrasta ” para baixo”. Ele deve inclinar-se para a realidade superior e torna-se, na medida do possível semelhante ao divino”.
Esse pensamento é contrário a teologia bíblica, pois segundo ela o homem não deve desconsiderar as coisas terrenas, ao contrário, deve olhá-la e admira-la e lembrar-se de seu criador ao observar que a beleza da criação remete e reflete a glória e a grandeza do criador (Rm cap.1), que vive-se nesta terra de forma plena e feliz, comendo do pão e bebendo do vinho também é louvar a Deus, ou melhor, como disse Eclesiastes, isso é presente de Deus (Ec 5:9), tudo o que há na terra deve ser abraçado e louvável (1Co 10.25) e não repudiado, pois isto nos leva a Deus, (e isso não é panteísmo), muito bem observou Rubem Alves ao dizer: Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves dos céus, os lírios dos campos… até o mais insignificante grilo, no seu crivo rítmico, é uma música do Grande mistério.
Infelizmente essa inserção do pensamento platônico na teologia tem atrapalhado as pessoas a viverem de modo integral nesse mundo, a teologia traduziu o mundo das ideias pelo mundo espiritual, isto é, em um lugar onde há anjos e demônios, bem em mal, luz e trevas, e é nesse lugar que o homem deve estar sempre atento e de olhos postos, é para essa realidade superior que o homem deve inclinar-se desmerecendo a realidade terrena, inferior, carnal, corrompida.
Ao fazermos essa observação não queremos negar a existência de uma batalha espiritual pois sabemos que a nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso contra as forças espirituais do mal, nas suas regiões celestes (Ef 6:12). No entanto, essa visão que nos diz que devemos nos retirar para esse ambiente onde há essa batalha e nos desapropriar do nosso ethos e nos divinizarmos, despindo-nos do nosso corpo, é contrária a proposta bíblica da criação, muito bem esclareceu isso Ed Rene Kívitz (2009, p.202.):
- Estamos indo contra a corrente divina quando tentamos deixar de ser gente e tentamos ser seres espiritualizados-etéreos. Ser gente vale mais que ser anjo… fomos criados para viver na atmosfera, não na ”espiritosfera”. Quando fazemos pouco caso da nossa condição humana, desperdiçamos a melhor parte da criação de Deus.
Além de atrapalhar a teologia em olhar o mundo e através dele desfrutar da beleza de seu criador e de nos influenciar a despir-nos de nossa humanidade para abraçarmos uma falsa ”semelhança divina” e também de dizer que devemos considerar as coisas que há no ”mundo das ideias” em detrimento do mundo no qual nos encontramos hoje, que é este presente, o dualismo platônico também nos influenciou negativamente a olhar e a nos relacionar de forma inadequada com a natureza e também com uma das características imprescindíveis que nos tornam humanos, que é o próprio corpo.
Vamos falar primeiramente sobre a repercussão desse pensamento frente as questões ecológicas, isto é, da natureza. Enquanto continuarmos acreditando na decadência da matéria, que a matéria é má e é inferior a tudo estaremos longes e afastados de envolvermos em movimentos que militam a favor da preservação da vida ecológica, da fauna e da flora, sustentados pela desculpa da transitoriedade do mundo e das coisas em relação a eternidade, e sobretudo apoiado por este discurso platônico dualista que permanece e influência tudo isso mesmo sem as pessoas perceberem, e assim deixando-o passar por tudo isso despercebido. Júlio Zabatiero (2006, p.206.) fez esta observação dizendo:
- A essa cosmovisão dualista também pertencem outras características importantes para a teologia. Umas delas é a do dualismo entre natureza e cultura, ou seja, a afirmação de que a natureza (plantas, animais e minerais) é inferior ao ser humano, pois não possui a substancia imaterial; enquanto a cultura – que é fruto da ação humana é a dimensão espiritual da realidade e, portanto, superior a natureza (falta de consciência ecológica é fruto desse tipo de dualismo)
Essa visão equivocada tem gerado maus frutos, como a falta de consciência ecológica, falta essa que compromete não somente a vida da fauna e da flora terrestre, mas também a vida do ser humano que depende do fruto da terra para viver, terra esta que infelizmente tem sido tratada com inferioridade e desrespeito pela própria teologia que afirma que essa terra é criação de Deus. Esse desmerecimento pelas questões ecológicas tem contribuído para a destruição da camada de ozônio e assim destruindo o céu, esse que afirmamos que manifesta a glória de Deus. A respeito disso, devemos traçar metas que nos impeça de sermos influenciado por esse pensamento dualista que gera em nós uma péssima consciência ecológica. É nosso dever perceber que o nosso desinteresse pela vida ecológica pode causar prejuízos para a vida, não só nossa, mas também de nossos filhos, netos e bisnetos.
É papel da vida humana cuidar do que a mantêm vivo e do que é imprescindível para sua existência, de forma que gera em nós um senso de dependência saudável, por estarmos tão envolvidos com a vida que nos gera vida, ou melhor, como estava escrito em uma parte da carta enviada a Franklin Pierce em 1855: O homem não teceu a trama da vida; ele é meramente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido fará a si mesmo.
Mudando de mentalidade
Além do platonismo ter uma desconsideração pela forma de vida humana que diz que devemos não ser seres humanos e sim seres ”etéreos-espiritualizados”, e que esse pensamento também gera em nós uma falta de consciência ecológica, ele também nos remete a uma desconsideração muito grande pelo corpo físico em si, pela vida física do homem, por considerar a matéria desnecessária, como uma barreira, um empecilho que nos atrapalha na busca pela verdade. Isto influenciou muito a construção teológica já nos tempos da patrística e até os tempos de hoje, assim como afirmou Albano (2013, p.69.):
- Principalmente, no período da patrística, o dualismo antropológico de origem platônica é facilmente diagnosticado. As máximas desse período relativas ao corpo comprovam: ”O corpo é uma prisão, um tumulo (é preciso) arrancar a alma das ”cadeias da carne”, do laço com um cadáver. A carne é como um lado em que a alma não pode deixar de manchar-se e degradar-se” (SPIDLIK, 2002, p.345-346). Portanto, é inegável a forte influência dualista helênica no pensamento e na teologia cristã. Essa influência está presente até hoje na cultura ocidental.
Vemos assim que o cristianismo permitiu se corromper por esse pensamento errado já nos tempos dos pais da igreja, e até hoje há ainda reflexo desse pensamento, e este se tornou um desafio a ser superado no momento, por exemplo pela teologia pentecostal, que o vê como uma ameaça ao corpo e a sã doutrina, que ao contrário do platonismo, não vê o ser humano como uma alma presa em um corpo, mas como um ser que possui várias dimensões que o constitui, em vista disso, Albano é um dos autores que escreve sobre o assunto visando acabar com essa falsa visão a respeito do homem, que tem que ser superada na teologia pentecostal nos tempos de hoje, por isso ele afirma:
- O antigo testamento compreende o ser humano ”holisticamente” e não faz divisões entre corpo mortal e alma imortal, ou entre corpo e espírito… dentro de uma visão integrativa, os textos bíblicos apresentam o ser humano sempre como unidade indivisível.
Em vista disso, já não podemos mais sustentar a ideia de que o corpo deve ser tratado de forma secundária, irrelevante, como membro humano descartável, mas como um membro humano que o constitui, que o faz ”ser” ser humano e ser completo, inteiro, pois, o homem é fundamentalmente um composto de duas substâncias em si incompletas: corpo e alma.
Também não podemos deixar de valorizar o corpo por estarmos sustentados por uma ideia que nos ensina e nos prepara apenas para a morte, visando um cristianismo pós-morte, que apenas te prepara ”para ir para a eternidade”, enxergando a vida apenas como uma carga pesada a ser carregada, sem gozo, sem felicidade, sem algo de bom e de divino para ser vivido ainda nesta vida e ainda neste corpo, não podemos enxergar o evangelho apenas como um passaporte para o céu, mas também como estilo de vida presente, intrínseco ao caráter de Jesus, que nos chama não apenas para a eternidade ao lado d´Ele, mas também nos chama para a história, para viver o reino de Deus aqui e agora, que já foi implantado e que hoje nós devemos sinalizá-lo aqui e agora, não devemos enxergar o corpo apenas como um transporte, um intermediário que nos leva até esse lugar, ele não é um meio e por isso devemos preservá-lo, ao contrário, ele é um fim em si mesmo.
Embora o dualismo tenha influenciado a teologia desde os tempos da patrística até os dias de hoje, ele deve ser peneirado e filtrado, não permitindo que ele negue assim valores importantes da teologia como o amor ao mundo físico, preservação da natureza, do corpo, da vida física, e na evangelização como também em outras áreas. É necessário estarmos atentos e prontos para combater essas influencias platônicas negativas para o bem-estar da igreja e da sociedade.
Aristotelismo
Aristotelismo é a influência exercida pela filosofia de Aristóteles ao longo da história do pensamento ocidental.
Os estudos aristotélicos influenciaram pensadores medievais da Escolástica, principalmente Alberto Magno e Tomás de Aquino. Também foram influenciados por ele filósofos empiristas da Modernidade, que retomaram a ideia de que o conhecimento também é obtido por meio da prática, operando uma radical e mais completa elaboração da tese do conhecimento como fruto dos sentidos corpóreos e das experiências práticas. Aristóteles também estudou Lógica, Metafísica, Política, Ética, Ciências Naturais (tendo escrito tratados sobre Biologia e Física), Retórica e Estética.
Ele busca explicações através das Quatro causas, incluindo propósito ou Teleologia, e enfatiza virtudes éticas. Aristóteles e sua escola escreveram tratados sobre física, biologia, metafísica, lógica, ética, estética, poesia, teatro, música, retórica, psicologia, linguística, economia, política e governo. Toda escola de pensamento que use alguma das distintas posições de Aristóteles como ponto de partida pode ser considerada “Aristotélica” no sentido mais amplo. Isso significa que diferentes teorias Aristotélicas (por exemplo ética ou ontologia) podem não ter muito em comum exceto a referência a Aristóteles.
Principais ideias
Aristóteles foi um defensor do sistema político democrático pelo qual Atenas já havia passado, tendo escrito um livro sobre isso. Também escreveu tratados de Ética, em que afirmava a necessidade da busca de uma moderação das ações humanas baseada na prudência, para que a vida em sociedade levasse os cidadãos à felicidade.
Aprimorado os estudos platônicos sobre o assunto e, em certa medida, afastando-se um pouco das ideias de seu mestre, Aristóteles escreveu um tratado de dez livros chamado “Estudos de Filosofia Primeira”, que, mais tarde, seria conhecido por “Metafísica”. Esses estudos, segundo o próprio filósofo, tratavam sobre o ser em geral, ou seja, seriam uma espécie de ciência geral, mãe de todas as ciências
Aristóteles fundamentou as primeiras noções da Lógica Clássica, baseada na argumentação e na Retórica. Em seus estudos, que buscavam algumas noções metafísicas, como a divisão das categorias do que se fala, ele buscou uma forma de linguagem que fosse formalmente válida e que buscasse argumentos que fossem fundamentados em premissas. Surgiu aí a noção de silogismo.
Sendo o primeiro filósofo a fundamentar a necessidade do conhecimento prático advindo da observação e da atenção aos sentidos do corpo, Aristóteles deixou em seu legado intelectual o conhecimento empírico, que mais tarde ressoaria na Filosofia Escolástica[5] e na Filosofia Moderna, chamando a atenção dos pensadores para o entendimento dos efeitos do mundo com base em suas causas.
Obras
Metafísica: conjunto de dez livros, escritos como “Estudos de Filosofia Primeira” e reunidos e renomeados mais tarde por Andrônico de Rodes como “Metafísica”.
Categorias: pequeno livro sobre Lógica que apresenta a necessidade da classificação e separação de conceitos diferentes para o tratamento de assuntos diferentes, a fim de que equívocos sejam evitados.
Physica: tratado de oito livros com observações de Aristóteles sobre a Ciência da Natureza.
Da alma, ou Sobre a alma: escritos sobre a noção dos antigos de alma, que equivale, para nós, à noção de mente. O filósofo trata de assuntos relacionados a como o ser humano constitui-se com base em sua personalidade e a como essa alma atua na distinção entre nós e os outros animais.
Ética a Nicômaco: livro que fala sobre Ética expondo as noções de virtude, racionalidade prática (uma racionalidade voltada para o cotidiano e o convívio político) e eudaimonia (uma noção dos gregos antigos de que haveria um guia — a consciência — para as nossas ações).
Política: livro em que o pensador defendeu as suas teses sobre a organização política das cidades, baseada na ação ética individual e no exercício da democracia, além de um conjunto de fatores que levariam os cidadãos à
Agostinho de Hipona (354-430)
Agostinho pensou que um ser em que só pode residir o bem não pode ser o criador do mal. Tudo que existe é bom e o mal é a ausência desse bem, é a ausência de Deus. Deus nos concedeu o Livre-arbítrio, que é a nossa capacidade de decidir conforme nosso entendimento, e é dele que vem o mal. Era defensor da ideia do pecado original e da predestinação – teoria de que o destino da vida humana é planejada por Deus. A fé seria o único meio de alcançar a verdade, sendo a razão o responsável pela comprovação dessa verdade. Também pregou a manutenção e defesa da paz.
A aproximação entre Platão e o cristianismo constitui a primeira grande síntese entre a filosofia grega e o pensamento cristão, o assim chamado: platonismo cristão. A Filosofia de Agostinho foi elaborada com base em uma aproximação entre o neoplatonismo de Plotino e Porfírio e a doutrina cristã. Mas o verdadeiro e legítimo conhecimento é o da teologia, e é a esses ensinamentos que o homem deve dedicar-se.
Tal como Sócrates e Platão, Agostinho é um homem profundamente voltado para a sua interioridade, para esse grande mistério que é o homem, e sua obra prima, as Confissões (AGOSTINHO, 1955), põe a nu o seu espírito e o intenso drama vivido interiormente por ele mesmo, para alcançar um mais alto grau de espiritualidade, uma vez que é nessa interioridade, ou se preferir, nas profundezas do nosso eu, que podemos realizar nosso encontro com Deus e nossa verdadeira essência. Assim, esse mergulho na nossa interioridade mostra-nos a nossa real essência, revela-nos que há dentro de nós algo de mais profundo que o nosso eu exterior e é dentro desta perspectiva de uma filosofia introspectiva que Agostinho agrega uma série de conceitos fundamentais.
Evidentemente, a moral agostiniana é teísta e cristã e, desta forma, a virtude não é uma ordem de razão, hábito conforme a razão, como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor. É fácil constatar em sua obra Confissões que a essência do homem está no amor: “ama et fac quod vis” – ama e faça o que quiseres.
Agostinho fundamenta seu conceito de ética no Amor a Deus (amar a Deus acima de todas as coisas) que se desdobra no amor da criatura pelo Criador, no amor a si mesmo e ao próximo (ama ao teu próximo como a ti mesmo): o amor é o primado da vida moral. O princípio da supremacia de Deus é significativo por que assim consta nas Escrituras e, consequentemente, visa o respeito à lei de Deus que ordena todos os homens a amarem-se como irmãos.
Os livros 7 e 8 das Confissões merecem aqui maior destaque pois que retratam os dois momentos cruciais da experiência mística agostiniana: sua conversão intelectual e sua conversão moral. O livro 7 trata do encontro decisivo de Agostinho com Platão, através do neoplatonismo. Agostinho percebe muitos traços de semelhança entre o neoplatonismo e o cristianismo. A sabedoria antiga pôde pressentir a finalidade da vida humana: sua união com Deus. Mas os filósofos antigos não viram (e nem poderiam ver) o caminho para alcançar esta felicidade: Cristo, o único caminho pelo qual os homens alcançam a salvação.
Agostinho afirma que o neoplatonismo e o cristianismo se assemelham, por exemplo: no que diz respeito a uma metafísica do ser e do não-ser, a doutrina do mal como privação do bem, a divina providência e uma teoria epistemológica da iluminação divina. Todavia, o que Agostinho não encontrava era a encarnação de Cristo e a salvação por meio desta encarnação. O livro 8 é o ponto culminante da obra. Agostinho narra de forma até poética as experiências que o conduziram definitivamente a conversão ao cristianismo:
“tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova; estavas comigo e não eu contigo; seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam senão em ti, chamaste, clamaste por mim, afugentaste minha solidão, e eu ardi por tua paz”.
No pensamento agostiniano, tal como no platonismo, encontramos igualmente a ideia de purificação da alma através da necessidade de uma elevação ascética para se compreender os desígnios de Deus (veja, por exemplo, a Alegoria da Caverna). O homem precisa se libertar de suas paixões para poder alcançar o equilíbrio espiritual, elevando-se à Deus, ao qual também é necessário o auto-conhecimento. Estando a alma purificada, está preparado o terreno para o verdadeiro conhecimento.
Obras de Agostinho
As principais obras escritas por Agostinho são Confissões e Cidade de Deus.
— Confissões tem um tom altamente autobiográfico. Nesse livro, o filósofo fala do período de sua vida em que não era convertido, fala com propriedade do pecado, do maniqueísmo e do hedonismo. Também conta como foi convertido tardiamente na fé cristã.
— Cidade de Deus, o filósofo fala de dogmas relacionados ao cristianismo, como a vida eterna da alma e a bem-aventurança, além do paraíso e da bondade de Deus. Os escritos contidos nessa obra mostram-se como o princípio para a compreensão de uma filosofia cristã.
Tomás de Aquino (1224-1274)
“A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria.”
Tomás de Aquino foi um discípulo do grande escolástico Alberto Magno. Ele auxiliou na reintrodução da filosofia aristotélica no pensamento europeu e atualizou a teologia cristã junto à filosofia medieval, tendo escrito sobre os conflitos entre fé e razão existentes no período.”
A Filosofia de Tomás de Aquino (1224-1274) representa uma aproximação entre o cristianismo e o aristotelismo, assim como Santo Agostinho representou uma aproximação com o platonismo.
Os filósofos medievais herdaram alguns elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-os no interior de uma ética cristã. Tomás de Aquino recuperou da ética aristotélica a ideia de um agir racional teleológico e de que a felicidade é o fim último dos homens, mas cristianizou essa noção quando identificou Deus como a fonte dessa felicidade. A Filosofia de Tomás de Aquino representa uma aproximação entre o cristianismo e o aristotelismo, assim como Agostinho representou uma aproximação com o platonismo.
Tomás de Aquino assumirá diversos elementos fundamentais da filosofia aristotélica. Por exemplo, ele assume a ideia segundo a qual todos tendemos a um fim, sendo tal fim a nossa felicidade. Ele assume, também, a perspectiva teleológica.[6] Também está em Tomás de Aquino a divisão entre as três funções anímicas: vegetativa, sensitiva e intelectual/racional. Isso se insere na divisão mais geral entre alma e corpo. Para Tomás de Aquino, o corpo é mutável e perecível. Mas, apesar de seu aspecto corruptível, ele pode colaborar para com o aperfeiçoamento humano. Na linguagem aristotélica, dir-se-ia que assim como a potência está para o ato, o corpo está para a alma.
Assim como a quase totalidade dos teólogos medievais, para Tomás, tudo o que existe é bom, porque é fruto e expressão da bondade suprema e livremente difundida por Deus. Todas as coisas, singularmente e em seu conjunto, são boas, porque de origem Divina. Por isso a ética tomista parte do princípio da existência de Deus, porque nenhuma ética seria possível sem pensar Sua existência. Além dessa bondade divina, é preciso levar em consideração também que o homem é de natureza racional, e é essa concepção de homem que vamos encontrar na base da ética tomista (uma clara influência do racionalismo aristotélico).
Por isso alguns autores afirmam que a moral tomista é essencialmente intelectualista. A ordem moral depende da necessidade racional da divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Portanto, agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem.
Mas além da razão é preciso considerar o fator “vontade”, pois mesmo que a vontade não determine a ordem moral, é a vontade todavia que executa livremente esta ordem. Tomás afirma e demonstra a liberdade da vontade, recorrendo a um argumento metafísico fundamental. A vontade tende necessariamente para o bem em geral. Se o intelecto tivesse a intuição do bem absoluto, isto é, de Deus, a vontade seria determinada por este bem infinito, conhecido intuitivamente pelo intelecto. Porém, no mundo, a vontade está em relação imediata apenas com seres e bens finitos que, portanto, não podem determinar a sua infinita capacidade de bem e que pode conduzir ao mal e ao erro. É mister acrescentar que, para a integridade do ato moral, são necessários dois elementos: o elemento objetivo, a lei, que se atinge mediante a razão; e o elemento subjetivo, a intenção, que depende da vontade.
Tomás de Aquino destaca, como raiz do mal (concebido como em Agostinho como falta de bem), a ausência do conhecimento da ordem estabelecida por Deus. Se o intelecto humano pudesse oferecer a visão beatífica de Deus, a vontade humana não poderia deixar de desejar o fim ao qual está destinada sua natureza, que tende para Deus como bem supremo. Mas na vida terrena o intelecto só conhece o bem e o mal de coisas e ações que não são de Deus e a vontade é livre para querê-las ou não querê-las. Assim, podemos dizer que a raiz do mal está não apenas nesta ausência de conhecimento, como também na nossa liberdade, na vontade de poder escolher livremente o bem ou o mal. O homem, porque é livre, peca quando se afasta deliberadamente e infringe as leis de Deus que a razão lhe dá a conhecer e Deus a manifesta por meio da revelação. Nesse sentido, o mal é desobediência, e sua raiz está na liberdade, que pode ou não reconhecer nossa dependência em relação a Deus.
O pensamento de Tomás de Aquino
Para Aquino, a identidade (princípio fundamental da lógica aristotélica) era o elo fundamental que, ao conectar a existência e a essência, mostrava o toque divino. A perfeição divina era capaz de alcançar e de explicar essa relação tão obscura e intrigante. Baseado na filosofia aristotélica, Tomás de Aquino desenvolveu as Cinco Vias que Provam a Existência de Deus, uma espécie de regressão causal que, em todos os casos (nos cinco argumentos), Deus é o princípio. As cinco vias são dispostas desta maneira:
- “O movimento do motor primeiro: em todo o universo, há movimento. Aristóteles propõe que para o movimento, existe um movente (motor), que dá a propulsão e o movimento ao corpo movido. Se fôssemos procurar cada movente de cada movimento, sem conjecturar a existência de um primeiro motor que não foi movido por ninguém, faríamos um movimento ad infinitum e não encontraríamos a causa primeira. Portanto, é necessário pensar que há uma causa primeira (motor imóvel) que colocou o primeiro movimento em tudo.
- A causa não causada, ou a primeira causa eficiente: partindo da mesma reflexão que foi desenvolvida na primeira via, é necessário entender que tudo foi causado no mundo, exceto uma primeira causa. Essa é a causa prima e ela não teve evento anterior. Foi um primeiro momento em que uma primeira coisa aconteceu. Essa causa não causada é Deus.
- Ser necessário e seres possíveis: os conceitos de necessidade e possibilidade estão em jogo. Existem seres possíveis, que podem ou não existir. Existem os seres necessários, que, independentemente das contingências, existem. Os seres contingentes são gerados, existem e são extintos (deixam de existir). Eles estão em transformação contínua. Porém, existe um ser que é. Do mesmo modo que é, sempre foi e sempre será. Esse é o ser necessário e Ele é Deus.
- Graus de perfeição: baseando-se na filosofia platônica, Aquino classifica diferentes graus de perfeição existente entre os seres. Existe uma espécie de hierarquia entre os graus de perfeição que pode classificar seres entre a bondade e a nobreza, por exemplo. Para Tomás de Aquino, se há essa hierarquia, deve haver um padrão de excelência que serve para a correção dos seres mais evoluídos. Esse padrão é Deus.
- Governo supremo: há uma organização das coisas e dos seres materiais. Os corpos, mesmo que inconscientemente, orientam-se para um fim. Essa ordenação é um governo supremo, ordenado por Deus.”
Influências
— Agostinho e Platão: Tomás de Aquino foi fortemente influenciado pelo patrístico Agostinho de Hipona. Não obstante, leva para a teologia cristã elementos da filosofia grega que, para Agostinho, eram, sumariamente, retirados da filosofia platônica (daí a denominação de neoplatonista dada a Agostinho). Porém, Tomás de Aquino vai além e dá à Escolástica um tom mais aristotélico.
— Aristóteles: após longo período proibido pelo Index Librorum Prohibitorum[7], Aristóteles passou a ser revisitado pelos escolásticos, por influência, principalmente, de Tomás de Aquino. A influência aristotélica na obra tomista começa com os ensinamentos de Alberto Magno e remetem a toda a produção de Aquino.”
[1] visão epistemológica que “considera a razão como a principal fonte e teste do conhecimento” ou “qualquer visão que apela à razão como fonte de conhecimento ou justificação
[2] Arquétipo central que impulsiona o ser humano para a individuação. Expressa
também a unidade e a totalidade da personalidade global do indivíduo
[3] período da história europeia que marca a transição da Idade Média para a modernidade e abrange os séculos XV e XVI, caracterizado por um esforço de reviver e superar ideias e realizações da antiguidade clássica.
[4] foi um movimento intelectual e filosófico que dominou a Europa nos séculos XVII e XVIII com influências e efeitos globais.
[5] escola medieval de filosofia que empregava um método orgânico crítico de análise filosófica baseado nas 10 categorias aristotélicas.
[6] é uma razão ou explicação para algo que serve em função de seu fim, seu propósito ou seu objetivo, em oposição a algo que serve como função de sua causa. Um propósito que é imposto por um uso humano, como o propósito de um garfo para segurar comida, é chamado de extrínseco.
[7] O Index Librorum Prohibitorum era uma lista de publicações consideradas heréticas ou contrárias à moral pela Sagrada Congregação do Index